O Vinho Amaldiçoado!!

Contos e crônicas do Sommelier André Ribeiro

O Vinho Amaldiçoado!!

Dezessete anos atrás, fui convidado para dirigir uma adega em um supermercado pequeno que ficava no bairro nobre do Jardins. O dono do mercado era apaixonado por vinhos, então ele selecionou um cantinho do mercado, mandou murar com tijolinho até um metro e fechou o resto com vidro, colocou uma cortina de ar na pequena porta, instalou um ar-condicionado que climatizava o ambiente em 18 graus, fez uma seleção de 300 rótulos, entre novo mundo e velho mundo, e me convidou para ser o Sommelier e cuidar daquele pequeno cantinho.

Eu tinha acabado de sair da loja em que trabalhava, assim resolvi encarar aquele mundo novo. Como o meu salário era mais alto do que os demais funcionários, ele me deixou sozinho tomando conta daquele pequeno setor de 50m². Eu fazia os pedidos de reposição de vinho, abastecia as prateleiras, atendia os clientes… era um trabalho muito solitário. Quando entrava um cliente, era uma festa pra mim.

Um dia, estava abastecendo os vinho chilenos quando escutei uma voz familiar me perguntando você tem CONCHA Y TORO? Quando me virei, era o Lima Duarte. Atendia muitos atores pois estava em um ponto nobre de São Paulo.

Um mês depois que eu entrei, o dono faleceu. Ele era uma pessoa super alegre. Com o passar do tempo, percebi que quando eu passava pelo setor de vinhos italianos, bem na fileira do vinho Corvo Duca de Salaparuta, elas começavam a vibrar, as garrafas trepidavam… achei entranho mas pensei comigo mesmo… deve ter um motor atrás dessa parede, por ser um supermercado tem motor para todos os lados.

Uma certa manhã, para o meu espanto, havia uma garrafa quebrada do Corvo no chão. Chamei o gerente, mostrei e relatei o fato das trepidações. Fomos verificar e não havia motores próximos daquela sala, e o pior, elas só trepidavam comigo. Passou uma semana, o filho do dono foi comprar vinho. Não o conhecia pois ele não ia ao mercado, era um advogado famoso e muito ocupado.

Chegando no setor, eu o atendi, então ele me disse: hoje faz três meses que papai faleceu, quero abrir em sua homenagem o vinho que ele mais gostava, eu perguntei qual era e para a minha surpresa ele disse: o Corvo. Peguei duas garrafas, levei até o caixa e nos despedimos.

Ao voltar para o meu reduto solitário, fui repor na gôndola o vinho que ele havia levado, pois já estava no fim do meu expediente. Ao colocar as duas garrafas, o vinho começou a trepidar na prateleira, batendo uma na outra com um leve tilintar do vidro; corri, chamei o gerente e nada… tudo parado!

Contei para ele da visita do filho e tudo mais, ele ficou espantado, pois me disse que o filho do dono nunca mais apareceu no mercado porque ele e o pai não se falavam há sete anos! O gerente mostrou uma foto do rapaz, que reconheci de cara. Logo, ele precisou ir ao setor de frios devido a uma reclamação e eu retornei para pegar a minha carteira e ir embora.

Ao entrar, de novo o tilintar das garrafas começaram, meus cabelos se arrepiaram e quando olhei para o setor onde o vinho Corvo estava, tive a nítida impressão de ver o vulto do Sr. Bernardo com um leve sorriso nos lábios. Peguei a carteira e sai numa velocidade e nunca mais voltei. Pedi demissão via Sedex e nunca mais coloquei os meus pés lá!

Hoje, fiquei sabendo que o estabelecimento já foi vendido para vários donos e nada prospera no local. Um vendedor amigo meu me contou que lá ainda tem vinho Corvo 1998… é a mesma que trepidava quando eu chegava perto…

#pordentrodovinho
Foto montagem :Guilherme Mota
Até mais pessoal……..
André Ribeiro